“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Esse enunciado está no artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988 e é um dos fundamentos estruturantes do Estado brasileiro. É a própria Constituição que estabelece a democracia como um dos pilares do país e reconhece a soberania popular como expressão máxima do poder.
Em razão da importância mundial dos valores democráticos, expressamente chancelados pela ordem constitucional brasileira, se celebra neste dia 15 de setembro o Dia Internacional da Democracia. A data foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2007, quando se completou a primeira década de vigência da Declaração Universal da Democracia, assinada no mesmo dia, em 1997, por 128 países, inclusive o Brasil.
Fundamentos
A Carta de 1988 estabelece expressamente que o Brasil é um Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Ela traz logo em seus primeiros artigos um catálogo de direitos e garantias e explicita que a soberania popular será exercida pelo voto direto e secreto de todos os cidadãos e cidadãs, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante plebiscitos, referendos e projetos de lei de iniciativa popular.
A Constituição também prevê a competência do Supremo Tribunal Federal (STF) para ser o seu guardião, cabendo-lhe zelar pelo respeito dos valores mais elevados nela previstos, entre eles o princípio democrático.
História
Um dos primeiros julgamentos relevantes em que o STF atuou em defesa da democracia ocorreu em 5 de abril de 1919, quando concedeu habeas corpus (HC 4781) em favor do então senador Ruy Barbosa, na época candidato da oposição a presidente da República, para que ele e seus correligionários pudessem fazer comícios em Salvador (BA), porque o secretário de segurança pública não teria autorizado comícios na Praça Rio Branco.
O STF se baseou no artigo 72 da Constituição Federal de 1891, que já garantia a liberdade de reunião e de associação para manifestação do pensamento e limitava a intervenção da polícia à manutenção da ordem pública.
Julgamentos de referência
Sob a vigência da Constituição de 1988, o Supremo tem reforçado os valores democráticos em inúmeras decisões.
Muitas delas envolveram questões eleitorais. No julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) 29 e 30 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4578, a Corte validou a Lei de Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010), resultado de um projeto de lei de iniciativa popular. Nas ADIs 4430 e 4795, novos partidos tiveram assegurada sua participação no tempo da propaganda eleitoral. A contribuição de empresas em campanhas eleitorais foi vedada no julgamento da ADI 4650. O STF também derrubou a norma que proibia emissoras de rádio e televisão de veicular programas de humor envolvendo candidatos e partidos nos três meses anteriores a eleições (ADI 4451) e garantiu a aplicação de recursos nas medidas de incentivo a candidaturas de mulheres (ADI 5617) e de pessoas negras (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 738).
Alcance social
Mas a defesa da democracia também diz respeito a matérias de alcance social, como aquelas que asseguraram o direito de manifestação e reunião e o direito das minorias e reforçaram a harmonia entre os Poderes da República. Um exemplo é o julgamento (ADI 4274) realizado em 2011 em que a Corte autorizou a manifestação pública nas “marchas da maconha” sem que isso seja considerado crime. No caso, o Plenário reconheceu que se trata do livre exercício das liberdades constitucionais de manifestação de pensamento e expressão.
Também em 2011, o STF proferiu uma decisão emblemática, com grande repercussão social (ADI 4277 e ADPF 132), ao reconhecer a união estável para casais do mesmo sexo. Entre outros fundamentos, o colegiado enfatizou que o direito à orientação sexual decorre diretamente do princípio da dignidade da pessoa humana e que a Constituição Federal veda preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em razão de sua orientação sexual.
O direito das minorias parlamentares foi garantido em decisão de 2005, no julgamento conjunto dos Mandados de Segurança (MSs) 24831, 24845, 24846, 24847, 24848 e 24849, em que a Corte determinou ao presidente do Senado a indicação dos nomes dos parlamentares que deveriam compor a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Bingos. A comissão não havia sido instalada porque os partidos majoritários não indicavam seus representantes, mesmo após cumpridos os requisitos constitucionais para a abertura. Para o STF, a postura da Presidência do Senado feriu o direito de oposição assegurado às minorias legislativas que decorre do regime democrático.
Em processo mais recente (ADI 6457), julgado em abril de 2024, o STF assentou que a missão institucional das Forças Armadas é incompatível com o exercício de poder moderador entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. O entendimento fixado é de que qualquer tese relacionada à intervenção militar ou à atuação moderadora das Forças Armadas está em completo descompasso com o desenho institucional estabelecido pela Constituição de 1988.
Democracia inabalada
Em 8 de janeiro de 2023, o STF foi alvo do maior ataque de sua história, que resultou na invasão e na destruição do seu edifício-sede. O Palácio do Planalto, sede do Executivo, e o prédio do Congresso Nacional, sede do Legislativo, também foram depredados.
Os atos criminosos atingiram as instalações físicas e o acervo artístico e histórico do Tribunal. Mas era preciso resistir, reconstruir e reafirmar a importância das instituições republicanas. Além das providências para a restauração das estruturas e objetos, a Corte lançou a campanha Democracia Inabalada (#DemocraciaInabalada) para enfatizar que, apesar da violência dos ataques, a Suprema Corte saiu fortalecida, e a democracia não foi abalada.
O Plenário do STF foi reconstruído em menos de um mês depois dos ataques, por determinação da então presidente, ministra Rosa Weber (aposentada). Era preciso ter o espaço pronto para reunir os chefes dos Três Poderes na abertura do Ano Judiciário, em 1º de fevereiro de 2023. Aquela sessão simbolizou a resiliência das instituições e a força da democracia brasileira.
Âmbito penal
Mais de duas mil pessoas foram detidas na sequência dos atos antidemocráticos de 8/1. Autores intelectuais e instigadores dos atos, executores, financiadores e autoridades passaram a ser investigados em inquéritos no STF. Até o momento, foram instauradas 1.444 ações penais a partir de denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e condenadas 221 pessoas.
A todos os investigados estão sendo assegurados os direitos constitucionais à ampla defesa e ao devido processo legal em todas as fases dos processos. As pessoas que preencheram as condições para responder ao processo em liberdade foram soltas e estão com medidas cautelares alternativas.
O STF também validou 428 Acordos de Não Persecução Penal (ANPP) oferecidos pela PGR a pessoas que respondiam por delitos menos graves, como incitação ao crime e associação criminosa, mas sem provas de que tenham participado da tentativa de golpe de Estado, de obstrução dos Poderes da República e de dano ao patrimônio público. O acordo encerra o processo penal se forem cumpridas as condições impostas pelo Ministério Público.
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